Pesquisa

segunda-feira, 30 de junho de 2014

"Alonso"

Nas aulas de inglês que aproveitava para frequentar , Francisco tomava contato com pessoas que iam morar em Londres com a idéia de mudarem suas vidas.
Foi numa destas aulas que conheceu Alonso.
Era colombiano mas morava na Espanha antes de decidir vir para Londres.
Ao final da aula Francisco aproximou-se e convidou-o para tomar uma cerveja.
Pensou em ir em um dos pubs que ficam pela volta mas Alonso, logo dizendo que eram muito caros, entrou numa mercearia e comprou duas latinhas.
Francisco, neste momento, não pôde deixar de sentir-se um pouco constrangido, envergonhado mesmo.
Foram então caminhando enquanto bebiam, coisa aliás comum por aqui, à medida que Alonso, que revelou ter cinquenta anos, explicava porque viera para Londres a trabalhar em serviços gerais.
Disse que tinha pensado na educação das filhas de dezesseis e doze anos com quem mora sózinho, separado da mulher, e queria que estudassem inglês.
Por isto, portanto, estava em Londres.
Falou das dificuldades que já enfrentou e disse que há pessoas que tem que viver até com apenas 600 libras por mês e ter que trabalhar, para aumentar este soldo, 12 ou mais horas por dia.
Francisco voltou para casa pensativo.
Entrou e pôs a tocar o concerto n.1 para piano de Brahms.
A música lembrava-lhe o filme "The L-shaped room" , do qual fazia parte da trilha sonora, sobre a história de uma francesa que vai viver em Londres.
No meio destas evocações e desta visão da luta vividas por tantos em tantos lugares do mundo, Francisco percebeu que finalmente tinha escurecido.
Não era seu caso mas se imaginou um dos milhões de trabalhadores que ajudavam a construir e manter esta Babel erigida sobre uma feira de vaidades e o culto do poder e do hedonismo.
Imaginou-se e teve uma forma de desprezo por todos quantos não tinham a sensibilidade de perceber esta luta.
Ao mesmo tempo, por cada um destes trabalhadores, sentiu uma profunda admiração pela coragem em sobreviverem movidos muitas vezes  pela vontade de darem condições aos filhos. 
Assim o mundo se movia montado em engrenagens que permanentemente trituravam ou descartavam as peças miúdas que lhe serviam.
Sem saber Alonso lhe tinha ensinado alguma coisa e enquanto tomavam uma cerveja de latinha tinha sido seu professor.



Nenhum comentário: