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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Douarnenez, um exercício de solitude


Depois do encerramento do horário comercial as ruas em Douarnenez ficam vazias. 
A não ser pelos carros pois quase não há garagens. 
É estranho pois se vêem muitos carros estacionados e alguns circulando mas quase ninguém a pé.
O movimento que se mantém, embora tímido, é em alguns dos bares espalhados com vista para o mar.
Mas não só as ruas dão esta impressão de ausência humana . 
É difícil ver-se qualquer sinal de vida nas casas e até parecem desabitadas.
A foto é de uma área bem central e embora seja umas 20 horas , ainda parece cedo  pois custa a anoitecer.
Em minha caminhada, que deve ter durado perto de uma hora, deu para contar as pessoas que pude ver.
A população é pequena, menos de vinte mil, mas a cidade tem uma estrutura bem organizada. 
Está dividida em duas partes por um rio que se pode atravessar por uma ponte ou uma passarela. 
Chama a atenção o número considerável de barcos e, entre outros atrativos, especial importância tem o museu dedicado às atividades marítimas que são predominantes na região.
A cidade é muito agradável, muito tranquila, não dá nenhum sinal de insegurança, os carros param meia quadra antes ao menor sinal de que um pedestre vai atravessar.
Nada disto, no entanto, impede que pareça meio monótona.
E um exercício de solitude.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Os Elétricos de Lisboa


Lembro-me que na primeira viagem a Portugal mantive contato com um militar português que tinha uma visão que julgava progressista de Lisboa e de Portugal

Comentava, por exemplo, que deveriam extinguir os bondes antigos e substituí-los por modernos conforme se fazia nos centros mais  evoluídos da Europa.
Felizmente isto não foi feito, pelo menos não totalmente pois suprimiram algumas linhas, e os incríveis bondinhos seguem circulando . 
Hoje tornaram-se ícone de Lisboa sendo de longe o símbolo que mais se associa e se vende da capital portuguesa.  
É inigualável o efeito que criam dando um toque de ingenuidade e encanto  ao ambiente da cidade.
O modo como se deslocam dando a impressão de se equilibrarem sobre as rodas é algo mágico.
Parecem bailarinos que se movimentam delicadamente apesar do peso e do som alto do contato com os trilhos,
Os turistas ficam seduzidos e não resistem a embarcarem. 

Mais tarde, no meio da noite, no quarto do hotel, pode-se ouvi-los passar lá embaixo na rua com um ruído forte.
Esqueci-me de investigar e fiquei com esta dúvida.
Que linhas seriam estas que funcionam altas horas?
Não seriam bondes fantasmas?

Em se tratando de Lisboa, uma cidade carregada de mistério, não me surpreenderia.






domingo, 11 de maio de 2014

Paris é uma Festa ?

Ator Convidado

Ernest Hemingway , autor que merece atenção, consagrou esta idéia de festa em relação a Paris.
Pertence a uma categoria de escritores, tão difícil de se estabelecer no Brasil,  capazes de viver quase exclusivamente da literatura.
No caso de Hemingway isto se tornou acentuado pela fama que o cinema concedeu a  livros como O Velho e o Mar, Por quem os Sinos Dobram , Adeus às Armas e Paris é uma Festa.
É tão grande a adaptação cinematográfica da obra de Hemingway que dá a impressão que escrevia para o cinema.

Enchendo o tanque
Paris é uma Festa é o relato do período  de 1921 a 1926 em que Hemingway morou na capital francesa convivendo com artistas e escritores como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound e F.Scott Fitzgerald. Teria sido escrito entre 1957 e 1960 e publicado três anos após sua morte.
Da época retratada por Hemingway até hoje passou-se um século.
Mas Paris parece conseguir manter, pelo menos sob certos aspectos, um pouco da atmosfera inspirada e criativa que tanto atrai artistas. Até que ponto isto não seria, atualmente, num mundo que se debate com questões que ultrapassam os limites da individualidade e da boêmia, uma inspiração equivocada, poderia ser uma discussão para outro momento. 
Por ora estico as pernas por Paris como um turista disfarçado.


Tarde de domingo

sábado, 10 de maio de 2014

All Saints


Andar por Londres em qualquer dia e a qualquer hora é presenciar um desfile de uma multidão que se empenha em trabalhar mas também, numa escala assombrosa, que sai às compras.
Deve ser muito frustrante para esta multidão, em boa parte constituída por turistas, voltar do passeio sem carregar algumas sacolas.
As lojas são o focus privilegiado para o exercício desta missão.
As vitrinas exteriores e interiores, os nichos nos quais os produtos são expostos como uma galeria de santos numa catedral não deixa dúvidas quanto à religião e a fé que se pratica nestes ambientes.
A religião e a fé do consumismo.
Um destes templos, dentre uma infinidade de outros de maior ou maior prestígio, mais ou menos adeptos, é All Saints .
Todos os santos aos quais devemos devoção.
Considerando que os preços da loja são muito altos é visível que se trata de uma devoção muito grande e reservada a poucos.
De interessante a coleção de máquinas de costura, uma quantidade considerável e de curioso o fato de que ao pedir um cartão não encontraram.
Obviamente não dão atenção a este meio consagrado de deixar com os clientes uma referência que possam levar consigo . Suponho, portanto, que tenham outros meios ou, então, que os clientes, causa-me arrepio pensar, tenham alcançado um grau extremo de fidelidade, fidelidade sem contestações, exercida de forma cega.
A título de ilustração transcrevo a apresentação feita pela própria empresa a respeito de sua marca. Talvez seja a parte introdutória do credo.
One of the UK's most successful brands, All Saints is renowned for its unique style and quality clothing.Starting off as a menswear label in 1994, All Saints soon established itself as a brand that was all about great design; following fashion without following trends.Due to the popular demand on the menswear section, it wasn't long before All Saints branched into womenswear, as well as childrenswear and homeware.All Saints also offers a vintage range in store. With the love of mixing high street and vintage, stocking both in one store is a strong indication of how firmly the brand has its finger on the fashion pulse.


Na esquina de Great Marlborough e Regent Street


Poloneses, chineses, indianos, paquistaneses, alemães, franceses e participantes de várias outras nacionalidades, incluindo, claro, brasileiros e até mesmo ingleses, prontos para a prova de atravessar Great Marlborough Street na esquina com Regent Street.
Alguns destes participantes, impacientes, largaram antes do sinal de partida mas sem perder o estilo.

"Clouds"

A little gale will soon disperse that cloud
And blow it to the source from whence it came:
The very beams will dry those vapours up,
For every cloud engenders not a storm.

William Shakespeare
SCENE III - King Henry the Sixth

sexta-feira, 9 de maio de 2014

"April Day"

Colliers Wood, London

"O, how this spring of love resembleth
The uncertain glory of an April day;
Which now shows all the beauty of the sun,
And by and by a cloud takes all away."

William Shakespeare
The Two Gentlemen of Verona 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Flor de São Mamede

Na segunda feira,  terceiro dia em Lisboa, decido sair cedo para ir até a "A Brasileira"
Na noite da véspera , na porta,  prefiro não entrar.
Muita agitação devido ao fato que uma cantora se apresentava na rua em frente.
Desgostou-me  também a forma como os turistas  se comportavam com relação à estátua de Fernando Pessoa.
Num  dado momento, naquele ambiente,  pareceu-me que ela se tornara o próprio poeta, transformado num destes onipresentes artistas de rua que imitam estátuas, observando entristecido o tumulto ao redor.
Os turistas, indiferentes, tiravam fotos fazendo todo tipo de poses sem ter em grande parte muita noção de sua obra.
Por isto não fiquei mais tempo e decidi voltar na manhã do dia seguinte.

Meu plano, no entanto, toma outro rumo.
Saio caminhando em direção à parte alta., passo pela Mouraria e acabo na Alfama., bem distante portanto de "A Brasileira".
Foi literalmente por estas alturas que encontro a Flor de São Mamede.
No momento em que me aproximo, ainda sem saber o nome, só pude perceber que era um café, bem simples, numa esquina de Lisboa e do mundo.
Tiro uma foto e sigo adiante.


Vou até um ponto bem alto  e sem ter mais para onde subir,  dou volta.
No caminho decido perguntar a um senhor que cruza comigo  o nome da rua.
-- Sabe que não sei,  passo aqui todos os dias e não sei, responde sem interromper o passo.

A resposta , apesar de curiosa, nem chegou a me surpreender.
Logo dei-me conta de que o mundo em que  aquele homem vivia era tão restrito, tinha limites tão pequenos que tornava desnecessário referencias mais amplas.
Identificar o nome de uma rua pela qual poucas pessoas deviam transitar para ele talvez não fosse tão importante até porque  nunca teria se afastado.

Desço mais um pouco e estou de novo na frente do café. 

Confesso que cheguei a ficar em dúvida se entrava , na frente não tinha sequer uma placa mas algo me atraía e, depois me dei conta, encontraria um significado para que o fizesse.

Entro, portanto, e logo observo que atrás do balcão um velho maneja a máquina de café enquanto uma mulher, mais moça do que ele, atende.
Peço um café, pedido que é uma espécie de senha quando se quer adentrar o ambiente de um bar que não se conhece.
A mulher já me estende um envelope com açúcar e, em seguida, o café.
Enquanto tomo o café  foram entrando  outras pessoas que pela conversa e pela familiaridade com os donos, deviam ser frequentadores .

Acabo trocando algumas palavras com a mulher que me explica que apenas seu pai, o senhor que manejava a máquina, já estava ali há quase cinquenta anos, depois de outros donos.
Ao perguntar-lhe o nome do café, responde

- Flor de São Mamede.

E  acrescenta, justificando-se, que ainda nem tinha placa indicativa.  
Talvez, decerto, sou levado a pensar, porque não fazia falta. 

Estou já saindo quando a filha me alerta para pegar o tíquete.

“ Para ficar com o nome do café” me diz , como se pudesse ser importante.

É estranho mas senti naquele momento como se ela tivesse percebido alguma coisa em minhas intenções.
Como uma premonição.

"A Brasileira" ? Bem, ao final, acabo indo a "A Brasileira" na noite do outro dia. 
Fernando Pessoa estava lá , estático, exposto ao tempo e condenado a viver sua existência de bronze.



Fernando Pessoa, Lisboa: a estátua esculpida em bronze do poeta português Fernando Pessoa divide espaço com as mesinhas ao ar livre dispostas em frente ao tradicional café A Brasileira, no Chiado, bairro lisboeta onde Pessoa nasceu. Criada pelo artista Antônio Augusto Lagoa Henriques, a obra foi inaugurada em 13 de julho de 1988, por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Bicicletas de Lisboa

Não se vêem muitas bicicletas circulando no centro de Lisboa.
Os ciclistas são ocasionais.
A topografia da cidade pode ter alguma influência sobre isto mas a causa maior parece ser cultural.
As bicicletas solitárias perdidas no espaço enorme da Praça do Comércio parecem dar esta impressão embora dêem também  a idéia de um casal de namorados unidos, ou talvez acorrentados, para sempre.

À tarde, circulando pela orla do  Tejo onde há vários pontos de interesse náutico, pode -se ver grupos maiores de ciclistas circulando.
Mas dá a idéia de serem passeios programados, alguns , talvez até a maioria, de turistas.
Deixando de lado os turistas que dão à cidade um ar circense, algo artificial, Lisboa é encantadora.
Lembra um pouco Montevideo pelo ambiente ainda pacato e pela preservação de sítios antigos em sua arquitetura.
Também a presença do mar traz esta lembrança.
Parece em muitos aspectos uma cidade pequena até pelos costumes.
São por estes aspectos , aliás, que acaba atraindo como mel os turistas. pousando como moscas sobre tudo, metidos em cada canto, em cada beco sem saída como uma força invasora.
Mas é preciso fazer a respeito um reparo.
Tirando de lado  a forma como transformam a cidade numa espécie de espetáculo, a presença dos turistas, além da importância para a economia que enfrenta aliás dificuldades em Portugal, com desemprego e inclusive cortes de salários, é um momento excepcional para entrar em  contato com pessoas de todos os países.
Apenas para exemplificar, dentro do tema, encontrei em plena Praça do Rossio um casal com bicicletas que me disseram serem suíços e que, no último trecho, tinham pedalado desde Madri.
Uma distância considerável, não há dúvida.



A Revolução dos Cravos

Espalhados pelo centro da cidade de Lisboa encontram-se, em toda a parte, painéis com fotos da revolução de 25 abril de 1974, a Revolução dos Cravos, que re-estabeleceu, depois da ditadura de Salazar, a democracia em Portugal.

São painéis enormes e as fotos de significativo valor foto-jornalístico..
O efeito da presença dos painéis é muito interessante mas não sei se não é apenas estético dando um toque de preto e branco na paisagem da cidade..


Pergunto-me que significado os milhares de transeuntes que circulam ao redor, em número assustador turistas, dão à sua presença .
Mas é um importante registro, sem dúvida, a marcar a primavera em Lisboa.


(*)  Trabalhadores controlaram a Revolução dos Cravos, diz historiadora portuguesa